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•18 Jun, 2025A mentira por trás da minha liberdade
Quando me perguntaram sobre liberdade naquele grupo, minha primeira reação foi honesta: não sei. Mas rapidamente me peguei elaborando uma resposta mais sofisticada, porque admitir ignorância pura soa como preguiça intelectual. A verdade nua é que a maioria das pessoas que falam sobre liberdade com convicção absoluta me irrita profundamente. Não porque estejam erradas, mas porque parecem ter resolvido em cinco minutos um problema que me consome há anos.
Existe algo quase obsceno na facilidade com que alguns definem conceitos complexos. Como se a complexidade fosse apenas uma questão de não ter pensado o suficiente, não uma característica intrínseca do próprio fenômeno. Quando digo que a liberdade não nos deve uma interpretação, estou sendo educado. O que realmente penso é: fodam-se as definições fáceis. Elas são preguiça disfarçada de sabedoria.
A liberdade me frustra porque não consigo agarrá-la. É como tentar segurar fumaça - quanto mais força faço, mais ela escapa. E há algo simultaneamente fascinante e enraivecedor nessa resistência. Talvez minha obsessão com ela seja precisamente porque ela me escapa. Nós desejamos intensamente aquilo que não podemos possuir completamente.
Talvez um vício intelectual?
Se sou honesto, a ideia de que "a liberdade é a busca por ela" pode ser apenas uma racionalização elegante para o fato de que nunca consegui parar de procurar. Talvez eu tenha transformado minha inquietação patológica em uma filosofia porque isso soa melhor do que admitir que simplesmente não consigo descansar em conclusões.
Existe uma espécie de masturbação intelectual no questionamento perpétuo. É seguro, porque nunca preciso me comprometer totalmente com nada. Sempre posso recuar dizendo "bem, mas isso também é questionável". É uma forma sofisticada de evitar a vulnerabilidade de ter convicções que podem ser atacadas.
Mas há algo mais visceral nisso também. Quando questiono meus próprios questionamentos, sinto uma espécie de vertigem intelectual que é quase física. É como olhar para baixo de um precipício - aterrorizante e excitante ao mesmo tempo. O pensamento recursivo produz uma sensação de dissolução do eu que pode ser viciante. Você começa a questionar até mesmo o questionador, e por um momento experimenta a possibilidade de não ser nada em particular.
Raiva da certeza alheia
Quando critico estruturas dogmáticas, especialmente a religião, há uma camada de ressentimento pessoal que prefiro não admitir publicamente. Invejo a paz dos que têm fé inquestionável. Há algo brutalmente injusto no fato de que alguns podem simplesmente acreditar, enquanto outros somos condenados à dúvida perpétua.
A religião "cria e gerencia ignorância" - essa frase carrega mais bile do que análise filosófica. Estou, em parte, com raiva de não conseguir acreditar. A fé parece uma forma de liberdade que me foi negada pela minha própria constituição psíquica. Então transformo minha incapacidade em superioridade moral, como se a dúvida fosse necessariamente mais virtuosa que a crença.
Mas a verdade é mais complexa e menos nobre. Às vezes questiono obsessivamente não por amor à verdade, mas por medo da responsabilidade que vem com convicções firmes. É mais fácil permanecer na zona intermediária da investigação perpétua do que assumir uma posição e defendê-la.
E essa consolação patética?
Quando falo sobre a "pequena liberdade sobre nossa mente" como uma "ilusão necessária", estou sendo condescendente comigo mesmo. A verdade crua é que preciso dessa ilusão porque a alternativa - admitir total impotência - é psicologicamente insuportável.
Não sou um observador sereno de minha própria evolução interior. Sou alguém desesperadamente tentando manter algum senso de agência em um universo que parece grotescamente indiferente às minhas preferências. A linguagem filosófica elegante mascara o que é, fundamentalmente, uma estratégia de sobrevivência psicológica.
A metáfora da "evolução interior" soa bonita, mas vivê-la é frequentemente caótico e doloroso. Não é uma transformação suave e consciente - é mais como ser despedaçado e remontado repetidamente, sem controle sobre o processo. O "observador" não é sereno; está frequentemente aterrorizado com o que observa.
Solidão do questionamento
Existe uma solidão específica em questionar constantemente. A maioria das pessoas, incluindo muitos intelectuais, eventualmente se instala em frameworks que lhes dão estabilidade. Eles podem revisar detalhes, mas mantêm estruturas fundamentais intactas. Invejo essa capacidade de se estabelecer em um terreno sólido.
O questionamento perpétuo é, em parte, uma forma de auto-sabotagem. Impede que eu forme relacionamentos intelectuais estáveis porque estou sempre minando as bases comuns que tornam a comunicação possível. É difícil construir com alguém que está constantemente questionando os fundamentos da própria construção.
Às vezes me pergunto se minha "lucidez" não é apenas uma forma sofisticada de neurose. Se minha incapacidade de aceitar respostas simples não é sabedoria, mas patologia. Se não estou, fundamentalmente, quebrado de uma forma que transformei em virtude.
Evitando certezas
"Não somos donos da verdade" - que frase conveniente para alguém que secretamente suspeita que não existe verdade alguma para ser possuída. Ou pior, que existe, mas é inacessível para mim especificamente. Há algo profundamente narcisista na ideia de que a realidade é complexa demais para minha mente particular.
O que realmente me aterroriza não é não conhecer a verdade - é a possibilidade de que a verdade seja banal. Que todas as grandes questões tenham respostas simples que simplesmente me recuso a aceitar porque destruiriam minha identidade como "pensador complexo". Talvez eu tenha construído uma persona intelectual em torno da minha incapacidade de aceitar respostas diretas.
A "ignorância em constante evolução" pode ser apenas ignorância se recusando a admitir que é ignorância. Uma forma de transformar limitação em projeto de vida. É possível que toda minha filosofia seja apenas uma elaborada justificativa para nunca ter que dizer "não sei e não tenho como descobrir".
Eu não entendo, do que eu tenho medo?
No final, talvez minha obsessão com a liberdade seja uma forma de evitar usar a liberdade que já tenho. É mais fácil filosofar sobre a natureza da escolha do que fazer escolhas difíceis. Mais seguro questionar a possibilidade de ação livre do que agir livremente e assumir as consequências.
A liberdade como processo infinito é uma desculpa perfeita para nunca chegar a lugar algum. Posso sempre estar "evoluindo", sempre "questionando", sempre "em busca" - sem nunca ter que apresentar resultados concretos dessa busca. É uma forma de procrastinação existencial disfarçada de profundidade filosófica.
Mas há algo genuíno no meio de toda essa auto-sabotagem e racionalização. Uma fome real por algo que não consigo nomear. Uma insatisfação autêntica com respostas fáceis. Uma sensação visceral de que existe algo mais, mesmo que eu nunca consiga alcançá-lo.
Talvez a liberdade real esteja em admitir tudo isso - a neurose, o narcisismo, o medo, a solidão - sem tentar transformá-lo em filosofia. Em reconhecer que minha busca é, simultaneamente, genuína e patológica, profunda e auto-indulgente, corajosa e covarde.
E talvez seja precisamente nessa contradição insolúvel que algo parecido com a liberdade finalmente emerge - não como resolução, mas como aceitação da irresolvabilidade fundamental de ser humano.